Fonte do artigo: Folha de São Paulo, 20 de junho de 2017
Autora: Suzana Herculano-Houzel, neurocientista, professora da Universidade Vanderbilt e autora do livro “The Human Advantage”.
"QUE TODO mundo precisa dormir todo santo dia, todo mundo sabe. Mas
como e por que a privação de sono afeta o cérebro, a ponto de levar à morte se
for completa e ininterrupta por mais de uma semana, a neurociência ainda não
entendeu.Não é por falta de esforços, pois manter suas cobaias acordadas requer
cientistas acordados.
Chiara Cirelli que o diga. A neurocientista da Universidade de Wisconsin
em Madison começou sua carreira mais de quinze anos atrás dando tapinhas em
garrafas de cultivo de mosquinhas (D. melanogaster) para mantê-las em
atividade. Foi assim que fez uma descoberta primordial para a neurociência: o
repouso das moscas é sono legítimo e moscas que não conseguem sossego sofrem
até finalmente morrerem.
Foi usando estas mosquinhas que Cirelli e colaboradores descobriram que
durante o sono acontece a reciclagem de sinapses, as conexões entre neurônios,
através das quais a atividade de um neurônio influencia a de outros, base do
funcionamento do cérebro. Reciclar sinapses envolve eliminar sinapses inativas
e transferir material para outras que participaram de novos aprendizados
durante o dia - papel dos astrócitos, células que nutrem neurônios.
Em um estudo que saiu no Journal of Neuroscience, Cirelli e equipe
mostram que, na falta de sono, um tipo de reciclagem sináptica acontece mesmo
no cérebro acordado, o que parece benéfico, mas, se a falta de sono é crônica,
a situação muda.
A equipe impediu que camundongos dormissem por um dia introduzindo
constantemente objetos novos em sua caixa, ou manteve outros animais acordados
por até cinco dias usando uma plataforma rotatória que obrigava os animais a
permanecerem em movimento - ou cairiam na água, coisa que detestam.
Após um dia sem dormir, o número de sinapses recicladas por astrócitos
dobra no córtex cerebral dos camundongos. Parece benéfico, já que o fator que
parece promover a reciclagem é o acúmulo de danos à membrana celular, fruto de
estar acordado. O problema é que daí em diante também entram em ação as células
dos sistema imune residentes no cérebro: a micróglia.
Essa ativação pode colocar o cérebro em um estado de hiperatividade
imunitária, que pode ser danoso, talvez até se autodestruindo.
Quanto tempo de privação leva para a micróglia ser ativada ainda não se
sabe. Na dúvida, melhor dormir bem, e todas as noites."
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